Seu nome é 845722-C, o C identifica que é da terceira geração de uma das poucas familias organizadas que restam no ME, ou seja, o Mundo Externo.
Seu apelido é 84C, parece engraçado para quem nunca viu uma pessoa ter números no lugar do nome, até porque apenas os RbP tem número nas Colônias, seria ultrajante para um colonita receber um número para identificá-lo.
Mas 84C não é um colonita, nasceu em 2089, nas proximidades das construções da sétima Colônia, que estava para ser inaugurada, exatamente no local onde foi a segunda capital do Brasil, chamada Brasilia, antes dela ser transferida para a CL1 ou seja a primeira Colônia.
Quando a CT7 começou a ser construída a idéia era justamente que a capital do Brasil voltasse para aquele local, mas antes da construção terminar aconteceu a grande revolução que eliminou a centralização dos governos, mas isso é outro assunto.
84C procurou aquele lugar com a mesma esperança que sempre movia os chamados HL, ou seja, Homens Livres, mas cujo único sonho era serem admitidos em uma Colônia.
Sempre que se construia uma nova Colônia era a mesma coisa, vinham pessoas de todos os cantos e acampavam ao redor delas, na esperança de serem admitidos, o que raramente acontecia pois os HL tinham - quase todos - a saúde comprometida pela exposição a radiações e não havia como passarem nos rígidos exames que eram realizados antes de um habitante ser admitido em uma Colônia.
Mas esta situação era interessante para os construtores pois os HL eram mão-de-obra mais barata que a dos RpP e muito úteis para os primeiros momentos da instalação, quando era preciso fazer escavações gigantescas e o EH (escudo harmônico) ainda não havia sido instalado.
E os HL não tinham medo dos RbP, até se entendiam muito bem com eles e esta era a razão de sua utilização ser muito dispendiosa, eram construídos de forma a durar apenas o tempo suficiente para cumprir sua missão e depois se auto-destruiam, tudo isso para não permitir o acesso dos HL aos RbP ou eles podiam ser reprogramados e depois utilizados com outros objetivos.
Era sempre igual, no início da construção de uma nova Colônia os HL chegavam e acreditavam nos boatos de que haveria espaço para alguns deles naquela Colônia e realmente sempre havia alguns sortudos que eram aceitos, justamente para manter essa ordem. Ao final da construção, quando já tinham a certeza que nada aconteceria os HL começavam uma guerra contra o lugar, uma guerra que quase nunca conseguiram ganhar.
Não fazia muita diferença para a maioria daquelas pessoas, o tempo médio de vida de um HL era de 35 anos, um HL com 50 anos de idade era uma raridade e normalmente viviam nas grandes cavernas onde havia alguma tecnologia, eles só não dominavam a holotecnologia, se tivessem acesso a ela poderiam construir suas próprias Colônias.
As segunda e a terceira Colônias, foram construídas de forma a aliviar a dura vida das pessoas que estavam em áreas de maior risco mas essa postura demonstrou ser um fracasso, uma simples doença podia dizimar muitos habitantes e a humanidade ainda não dominava o controle genético.
Além do mais estas Colônias foram construídas para muita gente e logo se descobriu que é melhor ter várias pequenas Colônias do que uma grandona, alias este é o princípio básico que domina a sociedade atual, não adianta ser grande o melhor é ser pequeno e eficiente.
Como nesta época ainda não se dominava muito bem os EH, tudo era construído de forma a abrigar o maior número de pessoas possível, exatamente o contrário do que foi feito na CT1, a menor Colônia construída. Ela foi criada para abrigar 7 mil pessoas, mas por muitos anos teve que com a superlotação, chegou a ter 20 mil habitantes e isso só foi resolvido quando construiram a CT4, localizada onde ficava antigamente Buenos Aires, a velha capital da Argentina.
Quase que simultâneamente se construiu a CT5, no extremo oeste do estado de Recife, que na época era dominado pelos imigrantes japoneses, que desejavam mais independência e compraram a tecnologia para construir uma Colônia só para eles.
A sexta Colônia não deu certo, naquela época ainda não se separavam as Colônias em categorias, pois a sexta Colônia na verdade teria sido a primeira CA, ou seja, uma Colônia Aquática, teria … porque ficou mais conhecida como a primeira Colônia que não deu certo, levando a morte as 45 mil pessoas que lá viviam, mas isso é outra história.
84C era uma criança quando construiram a CA1 e tinha sido aprovado para ir viver nela, mas seus pais foram reprovados e ele preferiu não ir sozinho e contra a vontade de seus pais desistiu de ir viver na Colônia, o que foi motivo de ser ridicularizado por anos, até acontecer a grande tragédia que levou a CA1 para o fundo do Atlântico e nunca mais se teve notícias dela.
Ironicamente a CA1 foi batizada informalmente de ATLÂNTIDA e teve o mesmo destino que o antigo continente que ainda não se comprovou se realmente existiu.
A CA1 também nunca existiu, ela era chamada de Sexta Colônia e depois que foiu destruída simplesmente continuaram contando sem alterar a ordem, mas quando decidiram tentar novamente fazer uma Colônia Aquática já existia a convenção e ela foi chamada de CA1, inaugurando a sequência como se fosse a primeira e realmente era, até porque mudaram completamente a tecnologia para construí-la.
Mas vamos voltar a construção da CT7 …
Lá estava 84C, com a esperança de ser admitido nesta nova Colônia. Seu pai já havia morrido há alguns anos e sua mãe não pode acompanha-lo, provavelmente quando a deixou foi a última vez que a viu e não foi uma boa visão, a velha senhora C, tinha durado mais que o normal mas aos 40 anos amargava um estágio terminal de cancêr, causado pela radiação constante de quem viveu mais tempo do que devia na superfície do planeta. Os cientistas queriam estudar a doença até o fim e mantinham as pessoas vivas para fazer experiências, era uma época muito contubada para alguém contestar a ética (ou a falta dela) nesta postura, mas se não fosse este esforço é provável que a humanidade não sobrevivesse.
A Sra C (que odiava seus números) estava isolada e seu filho teve que se despedir dela através de um circuito de TV, estavam no mesmo local, mas não podia haver qualquer contato entre mãe e filho, para proteção dela, cujo corpo não tinha mais defesas contra micro organismos e a única forma de mante-la viva era coloca-la em total isolamento, algo terrível para uma pessoa que tinha coragem de ir até mesmo ao mar e mesmo assim conseguiu viver mais que as outras pessoas, o marido morreu bem antes.
A única coisa que disse ao filho foi para ele não ali, que era para ir tentar a sorte na nova Colônia, desta vez ele obedeceu a mãe.
E 84C tinha realmente sorte, pois conseguiu ser admitido pela segunda vez em uma Colônia, e já tinha ultrapassado a idade limite de 16 anos faz tempo. Passou em todos os exames preliminares e já estava tendo aulas apra aprender a liberar sua mente.
Naquela época ainda não se dominava o controle do Sexto e Sétimo sentidos, mas faziam-se muitas experiências com conexões de pessoas a máquinas, os cientistas ainda estavam engatinhando neste processo e 84C não sabia disso, mas a única razão pela qual tinha sido aceito na Colônia era ter aceito ser uma cobaia humana, entrou em um grupo que iria fazer parte de um experimento novo, para que os computadores pudessem ter conexões melhores com as pessoas e sair do processo de reconhecimento de voz ou de gestos, que era a forma que se controlava os computadores naquela época.
Mas entre os demais HL - que já sabiam que não haviam sido aprovados - reinava outro tipo de sentimento, o de ódio e logo surgiu um líder que incentivou os outros a impedir a continuação da construção.
Era o momento certo, pois os sistemas EH ainda não estavam totalmente instalados.
Os primeiros EH eram muito rústicos, precisavam de enormes estruturas para serem ativados, dependiam das usina s atômicas estarem conectadas entre si e funcionando com pelo menos 40% de sua capacidade, consumiam um absurdo de energia e necessitavam de equipes de até 300 pessoas para controla-lo.
Ocorre que a equipe de técnicos que vinha da Argentina sofreu um grave acidente em seu comboio - ainda era inseguro voar e todo o transporte era feito por terra ou por mar - e as viagens terrestres eram feitas apenas em grandes comboios com os famosos T3, caminhões de 300 toneladas que tinham capacidade para andar (e até navegar) em qualquer tipo de terreno.
Eram veículos formidáveis, bem armados e possuiam raríssimas - para a época - unidades individuais de EH, que eram acionados em caso de ataque, algo muito comum naqueles tempos conturbados, onde o governo do Brasil foi usufruir das mordomias da CT1 e esqueceu completamente do povo.
A regra era “cada um por sí” e ao passar pelo antigo território do Mato Grosso, os 3T foram atacados e apesar de terem dizimado os atacantes sofreram muitas baixas e danos, não poderiam continuar a viagem até poderem ser consertados e o pior, muitos dos técnicos que iriam ativar o EH da nova Colônia tinham morrido na luta, seria preciso conseguir novos técnicos de EH e estes eram raros, as outras Colônias não queria abrir mão dos seus.
A CT4 estava mais próxima, mas os japoneses se recusavam a atrasar sua própria Colônia para ajudar, ela estava pronta mas eles ainda estavam aprendendo a lidar com sua nova casa e não estavam “disponíveis” segundo o último contato.
Enquanto os colonitas tentavam encontrar uma solução, o líder dos rebeldes de Brasilia organizava um ataque a CT7, aquele era um momento único, poderiam tomar conta do lugar e exigir que se permitisse a ocupação do mesmo por eles próprios.
Aquela Colônia estava em um delicado momento de fragilidade, em que as obras já estavam avançadas demais para desistir delas e seria ainda impossível resistir a uma tentativa de ocupação, principalmente sem os militares, que tinham saido de lá para ajudar o comboio que havia sido atacado.
A ocupação aconteceu aos poucos, inicialmente de forma pacífica, os HL romperam os limites que lhes eram impostos e começaram a invadir áreas restritas, que já haviam sido higienizadas.
Em outra época teriam sido simplesmente exterminados, a vida humana não tinha muito valor naqueles tempos, principalmente se eram HL.
Se os militares estivessem todos ali, ninguém teria sido poupado, a ordem é eliminar infratores, para que sirva de lição aos demais, era uma tática que já havia demonstrado funcionar em outras ocasiões, mas os poucos técnicos que estavam no lugar acharam que poderiam negociar com aquelas pessoas e nao tomaram as decisões adequadas para a situação.
Quando se percebeu havia - pela primeira vez - uma Colônia em construção, que foi dominada pelos HL e estes sentiam-se confiantes de seu plano ia funcionar, praticamente tomaram como refëns os colonitas que só tinham como defesa alguns T3.
Mas uma coisa era invadir construções vazias e cercar alguns caminhões, outra bem diferente era invadir uma usina atômica.
As tecnologia para construção de usinas tinha evoluído muito desde a construção da primeira e segunda Colônia.
Na CT2, na Sibéria não foi construída apenas uma usina, mas várias, devido as dimensões gigantescas daquela Colônia e com isso descobriu-se que é muito melhor ter várias usinas pequenas do que uma grandona, é mais fácil lidar com problemas nas pequenas usinas.
A CT7 foi construida com 6 usinas, a previsão era de que permitisse ali 50 mil habitantes então aplicou-se uma fórmula simples, 1 usina para cada 10 mil habitantes e uma de reserva.
As usinas eram construídas bem distantes do perímetro da Colônia e normalmente formavam um círculo que as ligava ao centro da Colônia através de túneis subterrâneos muito profundos e blindados com a liga de TeX, uma mistura de titânio com o elemento X. Este material era capaz de aguentar tensões e pressões de terremotos até 20 graus na escala Ritcher-Mercali, usada para medir os terremotos muito mais poderosos que passaram a ser uma constante em todo o planeta, inclusive no território do Brasil.
Mas o TeX conseguia se manter unido, e já houve casos de destruição total e sobrar apenas uma estrutura TeX, como foi o caso daquela Colônia que passou quase um mês dentro do maior Tsunami que o planeta já viu, ao final todos estavam mortos mas a estrutura TeX estava intacta.
As usinas vinham prontas, eram sempre a primeira construção de uma Colônia e os 3T foram criados justamente para poder carregar uma usina inteira, depois de instalada a usina passava a gerar toda a energia necessária para movimentar as gigantescas máquinas utilizadas na construção de uma Colônia.
A fábrica mundial de usinas era justamente a CT2, na Sibéria, que se especializou em fazer usinas para as outras Colônias e trocava-as por alimento, já que a região era rica em água e minério, mas pobre em alimentos, naquela época ainda não sabiamos que o planeta Vênus tinha excesso de minerais muito superiores a qualquer mineral terrestre.
As 6 usinas da CT7 já estavam instaladas e com capacidade de funcionar com 100%, embora isso nunca tenha sido feito. Raramente se usava mais que 50% da capacidade de uma usina. por questões de segurança e para o consumo das pessoas apenas 10% era necessário, quem consumia a maior parte da energia era justamente o EH.
E cada usina já vem com seu próprio EH funcionando, a estrutura de uma usina é algo bem interessante e é exatamente a mesma de uma CT, primeiro se cava um buraco enorme e se enchia com o TeX, em uma estrutura em forma de colméia.
Voltando ao TeX, sua composição sempre foi mantida em segredo pelos chineses, que foram os inventores deste elemento. Mesmo nos dias de hoje ainda não se sabe exatamente o que usavam e quando passamos a receber minerais direto de Vênus isso deixou de ser importante, certamente é um dos grandes segredos da humanidade.
O fato é que aquela mistura tornava a usina virtualmente inexpugnavel pelo solo e a estrutura em forma de colméia era capaz de resistir aos terremotos. Então quando uma usina era colocada em seu nicho um domo de EH a cobria e pronto, tinha-se uma mini Colônia, totalmente funcional em termos de tecnologia e segurança, apenas não era auto-suficiente em alimento.
Na verdade uma usina fazia mais do que gerar energia, ela usa água basicamente água para gerar energia, só que o processo pode - literalmente - tirar água de pedra e quanto mais suja a água melhor, porque o que o processo faz é exatamente queimar tudo que não é H2O, portanto o que sobra de “resíduo” é uma água tão pura quando a dos grandes lagos da Sibéria.
É impressionante a capacidade destes chineses, receberam uma tecnologia muito avançada e a transformaram em outra ainda superior. Gates III quase teve um troço quando recebeu uma usina novinha para sua CT1, e que era infinitamente superior a que usava e pensava ser o máximo da tecnologia.
Foi a forma que os chineses encontraram para agradecer por terem sido salvos do extermínio.
A bem da verdade não foram só os chineses que fizeram isso, havia gente de toda a velha Europa, da India, as maiores mentes do velho continente foram reunidas em um lugar seguro e altamente informatizado, fizeram milagres em muito pouco tempo.
Eram os humanos em guerra contra a natureza.
Agora os humanos voltavam a praticar a guerra entre só. É nesta situação de guerra que estavam os técnicos da CT7, ilhados em suas usinas e com o alimento já rareando pois o comboio que ia chegar é que traria as provisões necessárias. No máximo o que tinham daria para um mês, se fosse economizado.
Se fosse nos dias de hoje, até mesmo a terra poderia virar alimento, através do controle genético, mas naquela época as pessoas ainda se alimentavam de outros sólidos.
Invadir uma usina era impossível, na verdade se chegassem muito perto os invasores poderiam morrer apenas pela saturação de energia estática que se forma em um raio de até 100 metros das usinas atômicas, normalmente os EH vão além desta área e como nem micróbios podem atravessar um EH não havia risco de acidentes, mas na situação em que se encontravam os técnicos reduziram o diâmetro de seus EH e quem se aproximaasse muito das usinas simplesmente seria evaporado e a mais de 100 metros de distância é difícil fazer algo.
Os militares levaram metade dos 8 veículos 3T para ajudar o comboio atacado e quem ficou estava cercado, na verdade poderiam sair dali facilmente, tinham energia a vontade que já recebiam das usinas e se a comida acabasse poderiam sair dali ou mesmo tentar encontrar comida e voltar, pois a ordem que receberam era clara e expressa:
- Não abandonem o local em nenhuma hipótese.
E ainda era para evitar o confronto com os HL.
Só que os HL queriam justamente o contrário e diferente das usinas os T3 podiam ser atacados por baixo, foi assim que os atacantes do comboio que vinha da Argentina conseguiram destrui 2 dos 10 T3 que passavam em seu território e deixar outros 5 sem condições de continuar a viagem, deve ter sido uma batalha terrível.
Atacar os T3 da CT7 seria bem mais fácil pois não estavam em movimento, mas por outro lado estavam esperando um ataque.
Um EH pode penetrar alguns centimetros no solo e é uma barreira eficiente contra tudo que conhecemos, mas não há como proteger um veículo por baixo, o EH não tem como penetrar tão profundamente no solo e não há como criar o campo entre um sólido e outro.
Certamente um túnel bem construído e umas cargas de explosivo podem fazer milagres, não era muito difícil mandar os 3T para os ares. Explosivo é o que não faltava no lugar e foi depois desta experiência que os construtores de Colônias aprenderam a cuidar melhor deles.
Sem que fosse percebido os rebeldes foram roubando explosivos durante as obras, era relativamente fácil roubar explosivos, os RbP é que lidavam com eles e eram fáceis de serem enganados, os rebeldes tinham uma carga considerável de explosivos sob seu domínio.
Escavar o solo também era brincadeira de criança, na verdade a especialidade da humanidade, depois que não pode mais viver na superfície foi aprender técnicas de escavar o solo, se não fossem os terremotos, cada vez mais frequentes, seria muito mais simples viver abaixo da superfície do que nas Colônias.
E máquinas não faltavam, quase todo o maquinário das primeiras Colônias era desenvolvido para escavar o solo, havia até mesmo máquinas individuais próprias para os humanos usarem como uma vestimenta, apelidado de traje-tatú, que usava o poder do EH para escavar.
Humanos são muito mais versáteis que RbP nestas tarefas e a bem da verdade os RbP daquela época eram bem burrinhos, só serviam mesmo para o trabalho pesado, eram inúteis para trabalhos que exigiam perícia ou destreza.
Nos T3 havia excelentes sismógrafos, com os quais se podia medir a atividade no terreno, não seria tão simples escavar por baixo de um e pegar a tripulação de surpresa, mas os rebeldes tinham um plano.
Um plano que será conhecido no segundo capítulo desta saga… onde o 84C também se tornará alguém bem conhecido.